quinta-feira, 9 de junho de 2011

Penicilina

Que me lembre andava sempre no ar se não era os pés era a cabeça subir nas árvores ate os galhos se dobrarem e então passar para a seguinte ou andar por cima dos sarandis quando as lontras atacavam os marrecos viver com o espírito no mato e ouvir os seus palavreados nos fazia acompanhar o deslocamento de qualquer bixo que se movia do inicio ao fim de nossa lagoa ouvindo a reclamação das aves no seu interior.

Meu pai com ainda um sentimento profundo de um revéz recente com a família paterna em um lugar estranho onde os seus poucos amigos ficaram a muitos quilometros de distância celebrava as datas de sua identidade com a peonada. Era um fim de ano e se armou um churrasco com uma ovelha que se conseguia normalmente um descarte de consumo quase sempre de qualidade duvidosa que se salvava quando era gorda, mas ele fazia questão de não se trabalhar nestes dias.

Churrasco é um ritual e onde acontece muitas coisas ao seu redor e principalmente depois de pronto os adultos se sentam e corre causos soltos e a gurizada corre em volta e de vez em quando pega um pedaço de carne e se some.

Final de tarde fogo morto resta pouco do que era um garrafão de vinho ruim, era hora de se tomar as providências da rotina tarefas de guri , terneiros galinhas e porcos tudo ainda por fazer e eu to em cima da pitangeira na entrada do pesqueiro da lago junto com todos que descem pelo tronco e vão em direcção das casas , por ultimo salto, quando meus pés tocam o chão paro imóvel , sem me mexer chamo meu irmão mais velho que ia a meio caminho , quando ele chega levanto meu pé esquerdo e um espinho de corunilha cravado até o talo. Ele como deve ser tira com um movimento rápido os dois ficamos olhando o tamanho do espinho que esta incompleto me apóio na pitangueira mas não consigo colocar o pé no chão vou então aos trancos pra casa ora numa perna só ora apoiando as mãos .

Uma casa longe do recurso era composta de reservas de alimentos, utencilhos, ferramentas e uma farmácia caseira baseada em chás, melhoral, mercúrio, merthiolate e pó secante de sulfa e salmoura, muita salmoura e la estava minha mãe sem nada encontrar para tirar mas com um pé latejante e um guri que não conseguia por o pé no chão. Não dormi nesta noite, ninguém dormiu nem na seguinte e na terceira noite começaram a julgar que o caso era sério.

As distâncias na década de sessenta eram por circunstâncias da estrutura das estradas e por seus veículos qualquer deslocamento de mais de cinquenta quilómetros algo que merecia um calculado planeamento e envolvia conhecidos e logística, levar alguém ao médico era algo quase que um caso critico de gravidade alta e um espinho no pé não estava nesta faixa. Mas , os espinhos das árvores da fronteira do Rio Grande doem muito, mólho, espinilho, taleira, sucará, sina- sina e principalmente o da curunilha. Bagé ficava então extremamente distante e restava então seguir os trilhos em direção a Pedras Altas.

Minha mãe com uma cultura diferenciada frequentara um colégio de freiras e interessada e decidida vinda de uma colonia italiana não desperdiçou oportunidades de aprender e se diferenciou era na redondeza a única que sabia aplicar uma injeção o que causava um certo respeito e um grande pavor na gurizada, como alternativa no interior era a última, buscar uma pinicilina.

Pedras Altas, hoje cidade, era na época um vilarejo dotado de uma grande estação ferroviária com vista para o Castelo do Assis Brasil um grande embarcadouro de gado e as imensas tropas que passavam ao lado de nossa casa eram embarcadas por la pra seguirem aos frigoríficos de Pelotas e Rio Grande, uma pensão familiar, um mercado com charque, batatas, erva, rapadura, cachaça e bolacha seca, uma barbearia e uma farmacia. Lá estava meu pai com sua pasta vermelha tipo valise que ele carregava mais outras encomendas e um tratamento para três dias, três injecções.

O ritual começava com o aparelho indo pra chapa do fogão a lenha pra ferver dai se retirava o êmbolo que se embutia dentro do aparelho e se pescava a agulha e tudo isto com um guri choramingando, seguia-se adiante quebrando uma ampola de agua destilada, era uma dificuldade quebrar certo sem inutilizar o conteúdo hoje a ampola vem frajilizada no lugar de partir, antes, vinha junto uma espécie de papelão com licha na borda pra que a ampola se partisse certo, depois se adicionava o conteúdo no frasco para uma mistura homogênea senão entupia a gulha e dai teria que se tirar do braço chacoalhar mais um pouco e mais uma cravada. E assim foram as tres e unicas salvadoras injeções e o único tratamento disponivel

Houve dai por diante um equilibrio de forças a dor arrefeçeu mas o pé continuava inchado e sem condições de apoio. Os dias se iam passando o bom humor voltou e todos que voltavam no fim do dia perguntavam como está o pé ... olhavam e seguiam adiante a peonada que sempre interessada e como sempre meu pai tinha por eles grande apreço e faziam parte do nosso convivio diario pois sempre comiamos da mesma panela ao lado de um arado ou a sombra de uma árvore o consenso era geral tem algo dentro do pé contudo a salmora fazia perte do meu cotidiano fim de tarde. de fato por volta de vinte dias depois foi aos poucos diminuindo a dor e o pé desinchou so ficando em cima no meio do pé uma pele brilhante onde ao fim e ao cabo sairia a ponta do espinho com uma celebração geral me colocando de volta a ativa com trinta dias depois do churrasco da lagoa.

Promessa

De todos os dias
fazer economia
para o café do verão
não comer pão!
No outono! Música,
pão e piano.
Já no inverno
é certo
para o lugar
do jantar
um concerto!
E na primavera
com vigor
viver de amor.