domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Palmos

A por ai uma infinidade de formas maneiras e padrões de medidas para o meu pai era o palmo. Mão larga calejada mas macia com uma leve tortura no dedo mínimo uns vinte quatro centímetros de abertura.
Um cabo de machado, taquara pra arapuca fundura de um moirão la vinha o palmo, colocava a pá na cova retirava e media, o serviço podia ser grosseiro mas tinha medida e como sempre um senso de estética que ficava agradável a vista.
No verão mil novecentos e sessenta e quatro de camisa ao vento e calção de saco de farinha, já tinha feito a recorrida da manhã atravessado a pinguela da ponta da lagoa olhado a arapuca do outro lado soltado as galinhas e ajudado a tirar o leite e como o meu universo era imenso andava nestas incursões quase sempre sozinho vivendo assim a minha vida distraída cheia de compromissos, que me lembro andava sempre rengeando ora um espinho no pé ou a ponta dos dedos sem tampa. Ainda não tinha surgido pra nós o chinelo de dedo. E se o paraíso existe era pra mim a Bomba de Candiota, nossa casa foi construída pelo meu pai a menos de cem metros de uma imensa lagoa natural formada por muitos anos de enchentes em que o rio Candiota saia da caixa e avançava furioso pela parte baixa da várzea formando assim quatro lagoas, a lagoa da ponta, lagoa do meio e lagoa do fundo só que antes da lagoa do fundo tinha uma pequena que por ser de difícil acesso e barrenta nas beiradas não tinha denominação mas pra nós era a lagoa pequena e a nossa lagoa era a lagoa do meio.

Embora meu avô materno tenha sido o maior pescador que me lembre com estrutura para rios e pesca de arrastão e minha mãe que gostava de incursão e acampamentos eu não carrego esta herança pescar da um tédio e tem muita coisa na volta esperando pra ser descoberta de modo que sempre que esta função se armava eu já carregava meu universo paralelo, as linhas ficavam ali atadas em qualquer coisa e saia por ai, meu pai era assim, e foi assim que um dia de manhã ele atirou uma linha com isca de rã pimenta (sapo) bem no meio da lagoa, e foi pra lavoura.
A mata ciliar do pampa meridional é composta de árvores de madeira não nobre espinhentas que demoram anos para crescer que com sua pouca durabilidade depois de cortadas são consumidas pelos carunchos que as enchem de furos em pouco tempo depois de cortadas mesmo assim preenchem os espaços ciliares entre as aguas e o pampa, era assim o nosso pesqueiro, a mata a tábua de lavar na esquerda um tufo de junco no meio e uma pitangueira bem na entrada e foi ali que estava a linha atada quando cheguei.
Nesse instante a linha correu e como estava atada acima do alcance do braço saltei e puxei senti o meu dedo cortado e baixei para puxar com as duas mãos quando firmei a linha a visão de uma enorme traíra que saltava de boca aberta no meio da lagoa fez meu coração de criança disparar e uma emoção que se desvaneceu a seguir porque a linha cedeu e veio frouxa ate a linha dos sarandis quando de repente as minhas mãos não conseguiam segurar a linha e meu pai sempre dizia, não deixa ir para os sarandis, sem muita noção passei a linha na volta da cintura e corri ladeira acima e só parei quando a linha trancou pois ainda estava atada na pitangueira e olhei então aquele peixe que pulava na grama e minha garganta sem fala meus olhos buscavam alguém na volta e ninguém pra testemunhar o meu feito. Com uma mão pequena para o tamanho da boca e o coração que não cabia no peito comecei a tarefa de tirar o anzol e levar pra casa.
Minha mãe como sempre muito pratica queria escamar e transformar em postas já pro almoço, protestei e cedi no que era somente escamar e limpar nada antes da chegada de meu pai.
A traíra em cima da mesa um olhar aprovador e contar a história era tudo que um guri sonhador precisava meu pai chegou olhou sorriu e mediu "três palmos".